Deus que se arrepende?




Joamar 04/07/25

A aparente tensão entre Joel 2:13 (que afirma que Deus "se arrepende do mal") e passagens como Números 23:19 ("Deus não é homem, para que minta; nem filho do homem, para que se arrependa") reflete uma profunda dimensão da revelação bíblica sobre a natureza divina. 

Esta reconciliação envolve compreender a linguagem antropomórfica das Escrituras, a imutabilidade divina e a dinâmica relacional de Deus com a humanidade.

Abordo abaixo os aspectos essenciais dessa conciliação:

1. *Natureza do "Arrependimento" Divino em Joel 2:13*
   - *Contexto de Aliança e Responsividade*: Joel 2:13 descreve Deus como "gracioso e compassivo, lento para a ira e rico em amor leal, que *se arrepende* [ou *relenta*] do mal". 
O termo hebraico *נִחַם* (*nicham*) aqui não implica mudança de opinião humana, mas uma *resposta soberana ao arrependimento humano*. 

Quando o povo se volta sinceramente (rasgando o *coração*, não apenas as vestes), Deus ajusta sua ação disciplinar em fidelidade à Sua natureza misericordiosa .

 - *Exemplo Prático*: Assim como um juiz pode revogar uma sentença diante de nova evidência (como arrependimento), sem alterar seu caráter, Deus "se arrepende" do juízo anunciado porque sua justiça é relacional. Isso é explicitado em Jeremias 18:7-10, onde Deus condiciona juízos ou bênçãos ao comportamento humano.

2. *A Imutabilidade Divina em Números 23:19*

 - *Estabilidade do Caráter Divino*: Números 23:19 enfatiza que Deus não é "como o homem" em sua inconstância. Sua imutabilidade refere-se à *fidelidade aos seus princípios éticos* (graça, justiça, amor) e *promessas eternas*. Ele não "se arrepende" como humanos, que mudam de ideia por erro, capricho ou fraqueza. Seu caráter é estável, mas sua *interação* com os homens é dinâmica .


3. *Solução Teológica: Imutabilidade de Princípios + Dinamismo Relacional*

 - *Deus é Imutável em Essência, mas Responsivo em Relação*:  

 - *Imutabilidade*: Deus não muda em seu ser (Malaquias 3:6), santidade ou propósitos últimos.  

 - *Responsividade*: Ele age de modo coerente com seu caráter diante de ações humanas. O "arrependimento" divino é uma *metáfora pedagógica* para expressar sua *compaixão* quando o pecador se humilha (como em Jonas 3:10, onde Deus poupa Nínive após seu arrependimento) .  

 - *Linguagem Antropomórfica*: A Bíblia usa termos humanos ("arrepender-se", "ira", "mãos") para comunicar verdades divinas de forma acessível, sem reduzir Deus à limitação humana (Isaías 55:8-9).

4. *Ilustração Cristológica: Jesus como Revelação do Caráter Divino*

O Evangelho de João (cap. 9) mostra Jesus curando um cego, revelando que Deus não é estático:  
 - *Resposta à Fé*: Assim como Jesus responde à confissão do cego ("Creio, Senhor!" - João 9:38), Deus responde ao arrependimento humano com graça .  
- *Justiça e Misericórdia Integradas*: Jesus declara: "Eu vim para juízo... os que vêem se tornem cegos" (João 9:39), mostrando que Deus age conforme a receptividade humana, sem contradizer sua natureza.


Conclusão:
A "mudança" em Deus (Joel 2:13) é um *modo relacional*, não uma alteração ontológica. 

Ele é imutável em seu amor, justiça e fidelidade (Números 23:19), mas age distintamente diante do arrependimento ou rebeldia humana. 

Como afirma o teólogo Karl Barth, *"Deus é livre para ser fiel a Si mesmo de diferentes maneiras"*.

Isso não é contradição, mas a profundidade de um Deus que, sem deixar de ser Justo Juiz, inclina-se como Piedade aos que se quebrantam .

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Profetizando um 2025 Melhor - Sermão temático, textual e expositivo de 03 pontos

Ele Veio Libertar os Cativos - Sermão Expositivo

Sermão Expositivo: A Videira Verdadeira (da série Frutifique)